TELEFONE

Díficil. Pra acordar, esfrego os dedos nos olhos e como estou de lentes, desloco-as na retina e vejo traços horizontais e verticais como uma TV fora do ar, das antigas, claro. Forma-se um prisma de cores e desenhos geométricos, caleidoscópicos... Quem precisa de LSD?
Não sei por que ficar tão perturbada desse jeito. Bobagem. Uma respiração, só isso. Chamada não identificada. Alguém respirando do outro lado da linha, e daí? Mas foram três ligações essa madrugada...meu interlocutor respira em silêncio.
 Há um tipo de silêncio aterrador nisso. Silêncios assim antecedem grandes tiroteios, catástrofes, invasões, assassinatos. Há sempre um silêncio grave antes de uma boa cena de cinema. Há silêncios antes de explosões e há pessoas que não suportam o silêncio. Uma coisa eu sabia, aquele era um silêncio perverso. Aqui estou numa noite escura, madrugada sombria, no inicio de mais um milênio. Abro a janela, na sacada vejo um céu mais escuro ainda.
 O que disse mesmo o I Ching? O oráculo chinês, com sua sabedoria de 4 mil anos antes de Cristo, me pediu prudência. Mas prudência nunca foi meu forte.
Volto pra cama, deixo a janela aberta e vislumbro um naco do firmamento. Queria adormecer, antes que amanheça, mas esse telefone vai tocar de novo. Toca telefone, toca maldito! O tal Deus quando fez o tempo, certamente o fez em grande quantidade, cheio de horas e minutos. Mas na boa, os minutos dessa noite me parecem muito mais extensos, gigantescos e esmagadores.
Tento me concentrar em algo que me faça dormir, leve e reconfortante que não me apavore, como a desintegração do Universo por exemplo; o flagelo da morte não me assusta nem um pouco...
 Tenho meus próprios fantasmas e alguns usam celulares,
 (com ID Retida).