Deve haver alguma coisa errada com uma lagartixa doméstica acinzentada que só anda nos tetos do seu mundo, no exato instante limítrofe de permanecer agarrada a sua minúscula perspectiva ou se deixar cair no inebriante espaço desconhecido, nas asas da imaginação, no vôo resplandecente
Assim ela vai imaginando sua transformação. Espia o cume das montanhas pela fresta na parede. Entende que vive numa espécie de clandestinidade genética. Que a qualquer momento sua verdadeira identidade se revelara ao seu mundo rastejante, telúrico, noturno. Alcançara vôo renascendo em uma linhagem evolutiva que lhe percorre o DNA da alma, na transcendência espiritual. Refeita do carma dos impostores.
Nem lhe passa a idéia que poderia ter alter egos mais similares a sua existência corporal. Poderia se imaginar um jacaré, uma iguana, um calango, uma salamandra, quiçá um camaleão, que lhe dariam suporte para uma transfiguração. Sua concepção de organismo vivo é dual. Sua alma escala a passos largos degraus para o abandono de tudo o que é palpável. Regenerada das sombras, dos sonhos e das desilusões mundanas.
Acalenta uma simbólica combustão para que em uma fagulha colorida seu coração volte a pulsar. Seduzida pela fantasia insana de reviver desejos saciados. Tocada pela ilusão frenética de eternos retornos.
Deve haver alguma coisa de errado com uma mulher que resolve transformar a tatuagem de lagartixa em uma Fênix. Transformar um ser rasteiro, terráqueo e efêmero em uma criatura alada, arquetípica, metafísica, mítica e imortal.
À Fênix é permitido sonhar.